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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

livro Mulheres sem Homens

da iraniana Shahrnush Parsipur
Imperdível entre as “novidades” das prateleiras é “Mulheres sem Homens”, da iraniana Shahrnush Parsipur (tradução de Cristina Curpetino, editora Martins Fontes). A história não é nova -- está escrita há mais de três décadas. O primeiro rascunho do livro é de 1979, e há inclusive uma versão feita para o cinema, vencedora do Leão de Prata de 2009.
O livro não é apenas um registro histórico do modo de pensar e agir feminino no Irã, sob o véu e a pressão do Islã. Trata-se da saga de cinco mulheres em diferentes idades e envolvidas em diferentes dramas, que se cruzam num certo momento da história, tendo o golpe de Estado ocorrido no país nos anos 1950 como pano de fundo.
Tem Mahdokht, avessa a conflitos e decidida a preservar sua virgindade como se protegesse uma planta. Mas a vida é uma provação a seus valores. Ofendida por receber um convite para ir ao cinema de um homem e em estado de choque ao ver um momento de intimidade da empregada da casa, uma garota de 18 anos, Mahdokht decide por uma atitude extrema: plantar-se como árvore no meio do jardim da família.
Esse choque no enredo, que conduz o leitor entre as mazelas de uma guerra civil e a fantástica possibilidade de um ser humano virar planta, é um dos pontos fortes do livro. “Minha virgindade é como uma planta”, pensa Mahdokht no começo de sua viagem mental, para logo concluir: “Bom, eu não sou semente, sou uma árvore. Preciso me transplantar.”
Shahrnush usa a fantasia para sustentar um interessante caminho do pensamento. Escreve, por exemplo, sobre a força do desejo (“Bem no fundo do coração ela desejava ser uma árvore tropical”) e sua direta relação com a loucura. “São sempre esses desejos tão perfeitos, do fundo do coração, que enlouquecem as pessoas.”
No melhor capítulo do livro, o leitor é apresentado a Muness, que já é citada no capítulo anterior, mas que ganha novo ponto de vista. Neste trecho, a autora apresenta uma Teerã de 1953, com as ruas tomadas por conflitos. Mas o que chama mesmo atenção aqui é a forma que a sociedade iraniana é mostrada. Uma sociedade marcada por drogas -- vodca e heroína numa camada da população, uísque, vinho e ópio em outra --, por relações familiares deturpadas e pela insanidade em preservar valores equivocados, sob um olhar ocidental.
Em comum entre todos os personagens há certa incapacidade em lidar com os padrões, exigidos de tal forma que desfiguram as relações humanas, em especial entre homens e mulheres. “Minha querida, não se pode forçar uma pessoa a amar alguém. Tudo o que você tem de fazer é lutar contra o seu próprio amor. Já disseram muito bem que ‘Feliz é o amor que pode ser mútuo; complicado é o amor unilateral’”.
Shahrnush escreve sobre a possibilidade de equilíbrio nessas relações. Há um caminho, físico inclusive, que se desenha como alternativa para as cinco mulheres. Elas partem de Teerã para Karadj, e se encontram num jardim.
Com uma narrativa instigante (difícil de soltar), “Mulheres sem Homens” é uma ótima porta de entrada para conhecer a obra de Shahrnush Parsipur. Nascida em Teerã, a autora começou a carreira literária aos 16 anos e se tornou, ao longo de sua trajetória, uma peça importante no ativismo político iraniano. Foi presa em seu país e mudou-se para França, voltou a ser presa ao retornar para o Irã e atualmente está exilada nos Estados Unidos.

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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

livro Mulheres sem Homens

Postado por Vanessa Almeida às 17:43
da iraniana Shahrnush Parsipur
Imperdível entre as “novidades” das prateleiras é “Mulheres sem Homens”, da iraniana Shahrnush Parsipur (tradução de Cristina Curpetino, editora Martins Fontes). A história não é nova -- está escrita há mais de três décadas. O primeiro rascunho do livro é de 1979, e há inclusive uma versão feita para o cinema, vencedora do Leão de Prata de 2009.
O livro não é apenas um registro histórico do modo de pensar e agir feminino no Irã, sob o véu e a pressão do Islã. Trata-se da saga de cinco mulheres em diferentes idades e envolvidas em diferentes dramas, que se cruzam num certo momento da história, tendo o golpe de Estado ocorrido no país nos anos 1950 como pano de fundo.
Tem Mahdokht, avessa a conflitos e decidida a preservar sua virgindade como se protegesse uma planta. Mas a vida é uma provação a seus valores. Ofendida por receber um convite para ir ao cinema de um homem e em estado de choque ao ver um momento de intimidade da empregada da casa, uma garota de 18 anos, Mahdokht decide por uma atitude extrema: plantar-se como árvore no meio do jardim da família.
Esse choque no enredo, que conduz o leitor entre as mazelas de uma guerra civil e a fantástica possibilidade de um ser humano virar planta, é um dos pontos fortes do livro. “Minha virgindade é como uma planta”, pensa Mahdokht no começo de sua viagem mental, para logo concluir: “Bom, eu não sou semente, sou uma árvore. Preciso me transplantar.”
Shahrnush usa a fantasia para sustentar um interessante caminho do pensamento. Escreve, por exemplo, sobre a força do desejo (“Bem no fundo do coração ela desejava ser uma árvore tropical”) e sua direta relação com a loucura. “São sempre esses desejos tão perfeitos, do fundo do coração, que enlouquecem as pessoas.”
No melhor capítulo do livro, o leitor é apresentado a Muness, que já é citada no capítulo anterior, mas que ganha novo ponto de vista. Neste trecho, a autora apresenta uma Teerã de 1953, com as ruas tomadas por conflitos. Mas o que chama mesmo atenção aqui é a forma que a sociedade iraniana é mostrada. Uma sociedade marcada por drogas -- vodca e heroína numa camada da população, uísque, vinho e ópio em outra --, por relações familiares deturpadas e pela insanidade em preservar valores equivocados, sob um olhar ocidental.
Em comum entre todos os personagens há certa incapacidade em lidar com os padrões, exigidos de tal forma que desfiguram as relações humanas, em especial entre homens e mulheres. “Minha querida, não se pode forçar uma pessoa a amar alguém. Tudo o que você tem de fazer é lutar contra o seu próprio amor. Já disseram muito bem que ‘Feliz é o amor que pode ser mútuo; complicado é o amor unilateral’”.
Shahrnush escreve sobre a possibilidade de equilíbrio nessas relações. Há um caminho, físico inclusive, que se desenha como alternativa para as cinco mulheres. Elas partem de Teerã para Karadj, e se encontram num jardim.
Com uma narrativa instigante (difícil de soltar), “Mulheres sem Homens” é uma ótima porta de entrada para conhecer a obra de Shahrnush Parsipur. Nascida em Teerã, a autora começou a carreira literária aos 16 anos e se tornou, ao longo de sua trajetória, uma peça importante no ativismo político iraniano. Foi presa em seu país e mudou-se para França, voltou a ser presa ao retornar para o Irã e atualmente está exilada nos Estados Unidos.

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